Arbitragem na ponta da língua … revisão da matéria dada!... (artigo José Neto)

Tendo em atenção o momento atual, que aliás é um prolongamento que o tempo remete para uma discussão continuada revestida por ecos de discórdia, movidos por interesses medidos por certa gente, revestido de um febril interesse clubístico, referenciando a arbitragem no julgamento do jogo e das faltas existentes que viu no campo sem porventura lá ter estado ou nem sequer viu quando ao mesmo assistiu, remeto para os meus estimados leitores uma reflexão sobre o que escrevi nestas páginas da bola.pt nas datas de 3 e 17 de Março 2016.

Em termos de revisão do transcrito, anotando contudo outros comentários que se me afiguram mais relevantes, posso desde já afirmar que este sector de importância singular, porque decisiva, na apropriação dum resultado, me começou a merecer uma atenção especial a partir do momento em que o então presidente do Conselho de Arbitragem, Dr Laureano Gonçalves, através do meu muito estimado presidente da A.F.Porto Dr Lourenço Pinto, me convidou a colaborar numa ação de formação nacional, mais especificamente na realização de testes físicos de avaliação no Estádio da Maia, em meados da década de 90, estando também presente como convidado o senhor Paolo Casarin, dirigente máximo da U.E.F.A.

Pelas dificuldades apresentadas na obtenção de resultados por parte de alguns árbitros e árbitros auxiliares de então, agora cognominados de assistentes, formulei-lhes algumas questões, nomeadamente sobre o tipo de treino que realizavam. Claramente preocupado pelas respostas obtidas, dado que de uma forma geral a base temática se referia a corridas à volta dum campo pelado, ou em pistas existentes, ou quando muito nos parques da cidade, sendo que no final se submetiam a algumas séries de abdominais.

Estupefacto pelo conhecimento transmitido, de imediato me assaltou na memória a tal frase que jamais deixarei de evocar e outrora me fora dirigida por outra figura sagrada da minha vida, senhor Pedroto, que me dizia: “olha para o jogo e eu te direi como deves treinar e olha para o treino e te direi como deves jogar”. Assim foi que, com a devida autorização dos responsáveis e com a colaboração dos meus alunos finalistas do 1º Curso de Educação Física e Desporto do Instituto Universitário da Maia – ISMAI, iniciamos um projeto de avaliação e investigação na arbitragem. Assim, começamos por criar uma ficha modelo onde se fazia constar alguns parâmetros, tais como: antropometria (peso, altura e percentagem de gordura); motores (flexibilidade e destreza); psicológicos e mentais (autoconfiança, stress e ansiedade, atenção e concentração) e avaliação de comportamento ao nível do jogo (distâncias e formas como eram percorridas, níveis de frequência cardíaca detetada, etc.).

A partir daqui, ficaram disponibilizadas algumas “ferramentas” suficientemente capazes de modelar uma orientação metodológica de treino, quer correspondente ao árbitro, quer ao árbitro assistente e também tendo em atenção a especificidade da qualidade individual.
De referir que a Editora “Asa”, conhecedora do projeto, me deu a honra de publicar “ A Preparação Física e Psicológica do Arbitro de Futebol” e que, dada a bibliografia praticamente inexistente, esgotou a edição, servindo de base de muitos outros estudos, naturalmente mais avançados, porque ajustados à realidade e à medida que eram produzidos.
Como nota de apreço e de justiça, voltar a fazer constar a importância do então Diretor Executivo da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Dr José Guilherme Aguiar que propôs a criação dos Centros de Treino para a Arbitragem, figurando os distritos do Porto, Braga, Coimbra, Leiria, Lisboa, Setúbal, Évora, Portalegre, Faro e Funchal, tendo eu próprio assumido a supervisão dos mesmos, avançando com as metodologias a administrar por vários metodólogos de treino admitidos para o efeito. Era uma condição obrigatória que cada centro tivesse disponível um campo relvado e se submetessem os treinos durante 2 vezes por semana, procurando ao longo do tempo fazer algumas visitas no sentido de criar uma cultura de exigência participativa no desempenho e rigor, abrindo – se a possibilidade participativa a outros árbitros oriundos da FPF ou das Associações respetivas.
Em 2004/5 terminei as minhas funções devido a alguma discordância pelo tipo de liderança no momento registada e inoperância de estratégias ao nível dos testes de avaliação. Quando tudo se fez para reverter os espaços de treino para os espaços de jogo e das normas resultantes na aplicação dos novos testes, aparece novamente a pista devendo os árbitros efetuar 10 pistas, perfazendo a distância de 150 metros a elevada intensidade, seguindo 50 metros a caminhar, tendo como referência 30” – 30”. Quanto aos árbitros assistentes, valores de 75m em alta intensidade, seguindo 25 m a caminhar, tendo como referência 15” – 20”, apurando – se a capacidade de velocidade pela prestação duma prova de 6x40m em 5.8”.

Como o espaço de jogo é o campo, não a pista, tentei alterar esta posição, isto é, os árbitros e árbitros assistentes deveriam realizar os testes no espaço correspondente à sua ação predominante, tendo para o efeito proposto uma metodologia que ao não ser aceite, foi uma das razões do desacordo, associado a outras situações que para já, gostaria que ficassem no meu sacrário pessoal de entendimento. Alguma coisa valeu, pois houve entretanto melhoria na aplicação dos testes, em especial dos árbitros assistentes em referência à avaliação de velocidade de reação e aceleração (CODA). No que concerne ao árbitros a distância em pista foi reduzida, mantendo contudo a intensidade de 4x75 metros a correr com 25 metros a caminhar … mas a pista continua …enfim muito a referir em relação a isto, mas não quero de alguma forma continuar a “bater no ceguinho”…

Ainda sobre os centros de treino e a função a exercer para os árbitros profissionais, penso que muito há ainda a exigir. Não é possível obter um estado de forma ao nível da excelência, treinando 3 vezes por semana (2 tardes e uma manhã com sessões de média de duração de 90m). Também deixei expresso uma metodologia de treino diário (e por vezes bidiário) em que se vejam associadas várias temáticas para além das físicas propriamente ditas, como condutas de referência psicológica, mental e ambiental integrada e demais matérias de âmbito sociológico, jurídico, comunicacional, línguas estrangeiras, novas tecnologias, sistemas e modelos de jogo e tudo o mais que de mais se souber, pois se apenas de Arbitragem se sabe, nem de Arbitragem se sabe…
Volto a referir que não obstante desconhecer “a alma” da arbitragem, foi um tempo de muita aprendizagem, enquanto supervisor dos centros de treino pela significativa relação de respeito e afetos com que me deixei envolver.

Quanto a toda esta “guerrilha” que nos entra periodicamente pelas nossas casas adentro via televisão, exposta nas primeiras páginas de jornais, ouvida em programas de grande audiência na rádio, labaredas de opinião expostas em mesas redondas repletas de entendidos de quem tudo sabe e que só pelas constantes e consequentes repetições de imagens são capazes de “ficar com a ideia de “ atingir o poder da razão, é um ponto de premente e cuidada reflexão:
Alguns jogadores, muitas vezes intérpretes de simulações desacreditadas, acordam o desejo de chamar a si o significado da verdade.
Alguns dirigentes, que se veem envoltos em dificuldades de gestão, com conhecidos momentos de maior desgaste administrativo ou classificativo, estão sempre prontos para a reivindicação pública perante um resultado desfavorável.

Alguns treinadores, que não esperam a oportunidade para perante o erro do árbitro, justificar a causalidade do resultado, desviando as atenções para possíveis incapacidades latentes nas respostas que a competição lhe exige.

Alguns adeptos, que arrancam com uma onda de impropérios transferida em ecos de discórdia, raiva e ira num odioso libertador de consciências descompostas e por isso se vão arrastando até às áreas protegidas pelas redes, (chamo-lhe o espelho dos cobardes), os “heróis” da festança.

Perante esta envolvência, a figura do árbitro deverá assumir a função de profundo equilíbrio, cultivando o rigor, a isenção, a tolerância, a integridade, a firmeza, a retidão, a imparcialidade, a coragem, a coerência, o decoro, a sobriedade, vendo-se autenticado o seu valor participativo no julgamento do jogo, sempre referenciado por uma estreita colaboração.

Colaboração, usando a competência como juízo de valor técnico; colaboração, usando a imparcialidade como juízo de valor humano; colaboração, usando a autoridade como juízo de valor técnico e humano.
Tarefa difícil, esta de ser árbitro de futebol!...

José Neto – Metodólogo em Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências de Desporto/Futebol; Formador de Treinadores F.P.F.-U.E.F.A.; Docente Universitário.

Fonte: A Bola

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